sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Um espectro ronda o Japão - o espectro do Dempa; WWDD (Dempagumi.inc, 2015)

Primeiro o momento wikipédia: Denpa song (電波ソング) é um termo que se aplica a músicas intencionalmente estranhas e grudentas, sem preocupação com afinação ou produção chique, já que é produzida de maneira independente (doujin) em sua maioria e na origem do "movimento", num espírito punk de "faça você mesmo". Assim sendo, não se trata portanto de um gênero musical per se, e sim de um agrupamento. O próprio termo surge, na cultura jovem dos anos 90, para descrever indivíduos presos em suas próprias fantasias pessoais, mesmo ao passear pelas ruas de Akiba. Como música sempre foi identificada ao público otaku (muitos grupos tentam emular músicas de anime ou cria suas próprias versões) e wotaku (idols do underground existem aos montes em Akihabara).

Desta subcultura surge em 2008 o Dempagumi.inc, grupo idol cuja aparente missão é levar o "espírito denpa" aos quatro cantos do mundo. Naquele ano lançaram o primeiro (e único) single indie, Mirror Magic?, e então só reapareceriam em 2010, sob a label Lantis (e a partir de 2011, Meme Tokyo, sublabel da Toy's Factory). Future Diver, a qual considero a sua canção seminal (até deu aquele arrepio quando ouvi pela primeira vez, pouco tempo depois de lançado o primeiro álbum das garotas, e mal sabia eu que a letra estava tentando se comunicar comigo), veio em 2011 - o grupo já apresentava um plantel de membros parecido com o atual, faltando Mogami Moga e Fujisaki Ayane (Pinky), que entraram no final daquele ano enquanto Atobe Miu se retirava, formando assim um sexteto digno de super sentai: assim como o Momoiro Clover Z, cada uma é representada por uma cor. 



Antes de chegar ao ano da graça de 2015 é preciso falar um pouco do álbum anterior, lançado ao apagar das luzes de 2013 mas que foi comentando por mim no post anterior, sobre os discos que ouvi em 2014. Dele o grupo já apontava o seu amadurecimento, desfilando com singles clássicos como o próprio Future Diver, novidades como Vandalism singles lançados no período de 2012-2013 como as duas faixas título (WWD um e dois), a boa versão de Sabotage, dos Beastie Boys (isso e a collab com o agora finado BiS aproxima o grupo de uma "atitude" punk e anti-idol), Denden Passion, dentre outras. World Wide Dempa também representou um salto de popularidade, e alcançou o quinto lugar no ranking de vendas semanal da Oricon. Hoje já dá pra dizer que se trata de um grupo consolidado no cenário pop japonês, contando até com um programa em um canal de TV (todo grupo idol bem sucedido tem que ter, né?), ao mesmo tempo que se destaca dos imitadores de AKB48.

O tema circense da intro não acompanha todas as faixas, não se trata de um disco conceitual. Mas ele vem e volta em algumas e é central na segunda, Dempari Night, um dos seus melhores singles de 2014, e que traduz perfeitamente o que quero dizer quando digo que elas são as missionárias do denpa, musicalmente. O seguinte (Dance Dance Dance, como o livro do Murakami) sofre de um uso exagerado de auto-tune; tirando isso mostra uma certa energia disco, em partes eletropop - já houveram melhores faixas dançantes delas, mas não é ruim. NEO JAPONISM já está em outro patamar. Inédita, conta com composição e arranjo de um velho conhecido, NAOTO da banda Orange Range. Musica de qualidade, ao mesmo tempo que continua grudenta como uma boa canção pop deve ser. A surpresa do meio da faixa vai para um rap bem encaixado. Não diria que é a melhor música deste recorte já que a seguinte também é ótima ao mesmo tempo que é ambiciosa.

FD2 ~Raison d’etre Daibouken~ se apresenta como uma sequência ao hit maior do Dempagumi, Future Diver, e o que entrega não chega a ser melhor que a sua obra-prima de explosão idol underground (completamente construída de frustração otaku) mas não faz feio não. Como a homenageada, conta com um arsenal equilibrado de chiptune e variedades de sons que não fazem feio à crueza características do grupo na sua infância. Sintetizadores não são poupados. Em seguida Chururi Chururira, outro single "na média" do ano passado, com uma temática tradicional japonesa, misturando música folk e o eletrônico de costume. Ela foi utilizada numa série de propagandas da Cup Noodles estreando as garotas e os seus wotas.


As duas faixas seguintes são B-side e A-side do mesmo single, Dear Stage e Yokoso. Mamonaku. Dempagumi.inc ga Ririku Itashimasu, o lado B, é um denpa clássico - inclusive com arranjo do MOSAIC.WAV, mostrando todo o comprometimento das gurias (e seus produtores) com a cena. O lado A é uma musiquinha bem bacana no meio de fatias grossas de pão narrativo. Dá pra entender a intenção de dar uma ideia do que é a experiência live no teatro delas em Akiba, só exageraram um pouco na dose. Um "defeito" já notado no single. 


O que se segue é uma trinca de B-sides: Bali 3 Kyouwakoku, Fancy Hoppe ♡ U fu fu e Lemon Iro. Uma é um tanto redundante, não acrescenta muita coisa por ser meio que uma repetição da fórmula daquilo que já tinha dado certo. Mesmo assim gosto bastante, e o MV é muito bom. A do meio causa estranheza, não parece do feitio das moças. Gosto de acreditar se tratar de uma obra produzida pelo Dempagumi de um outro universo/dimensão que está tentando invadir esta com todas as forças. Uma musiquinha feita em parceria com a chupa chups, fofa mas sem alma. Agora, a terceira sim tem soul. Lemon Iro é diferente do que elas costumam apresentar, mas não diferente ruim - melancólica, mas não triste e sem significado, muito pelo contrário. Uma batida constante vai marcando o ritmo de uma canção que poderia muito bem ser A-side, principalmente se considerarmos o vídeo muito sensível com o qual foi lançado.

Brand New World (como o livro do Huxley) é inédita, e musicalmente lembra muito BiS. Pra tudo tem um motivo, já que ela foi composta pelo mesmo compositor do falecido grupo. Portanto o que ouvimos não é bem o dempa de sempre, o que para alguns pode ser um entrave e para outros (fãs de BiS?) um atrativo. Podiam ter rodado a baiana de vez e feito um metal pesadão, brincado de Babymetal, sei lá. Enfim, o Dempagumi também não é isso. O Dempagumi pode ser Irodori Sekai, a faixa seguinte e penúltima do álbum, mesmo que baladinhas mais lentas sejam minoria no seu catálogo. A explosão de Dempagumi vem com a faixa final, a derradeira Sakura Appareshon, do single de mesmo nome. Aqui vemos mais uma vez diversos exemplos do porquê este grupo ser tão atrativo e distinto de tantos outros grupos idols. Vemos mais uma vez um som bem eletrônico, mas com elementos acústicos e EXTREMAMENTE japonês, novamente exaltando coisas tradicionais. Seria então um grupo nacionalista? Longe disso.

Batera moendo em show exibido pelo canal Space Shower
Dempagumi é tudo isso e é claro que pode ser mais, e este álbum demonstra isto bem. WWDD está longe de ser uma obra auto-contida e coesa, está mais para um recorte, um amontoado de singles do ano passado e algumas inéditas. Um amontoado magnífico, e que se colocado junto do que essas meninas já gravaram (os dois álbuns anteriores e o live, tirando as faixas que saíram em singles mas não em discos) formam uma discografia, em crescimento, de qualidade. Se eu recomendaria esse disco para alguém que não teve nenhum outro contato com o grupo? Talvez. Outra coisa que se nota é os seus shows, que sempre misturam um pouco de teatro com a sinceridade usual delas, muito suor (Moga principalmente) e vocais às vezes desafinados. A banda que costuma acompanhá-las também é ótima, assim como no geral existe preocupação com o instrumental (na composição e na execução). A experiência ao vivo é grande parte do apelo de grupos idols, é onde se vê a energia de seus membros. Energia o Dempa tem de sobra, vida longa (e próspera, RIP Leonard Nimoy) ao Dempa!